Atenção: esse texto foi originalmente publicado em 08 de fevereiro de 2020. Você pode acessar esse artigo em inglês clicando aqui.

História de Metrô

Uma mesma história, contada a partir de dois pontos de vista diferentes. De que maneira enxergamos o outro?

Diogo Tomaszewski
6 min readOct 13, 2022
Photo por Jp Valery via Unsplash

Era uma quinta-feira, por volta das 15h30. Para variar, tinha saído atrasado de casa, de modo de acabei entrando todo esbaforido na porta do metrô Ana Rosa. O destino? Estação Butantã. Mais especificamente, o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Eles abriram um curso rápido — e gratuito — sobre o tema “América Latina: os últimos 20 anos e os próximos 20 anos”. Você realmente acha que eu, justo no período mais maravilhoso do ano (as férias!), eu iria perder a oportunidade de fazer um curso tão lindo como esse, e ainda sem pagar nada? Caso sua resposta seja “sim, você perderia essa oportunidade!”, pode parar de ler esse texto agora. Nossas relações estão cortadas.

Mas vamos ao que interessa. Como já disse, entrei todo esbaforido na porta do metrô, mas consegui arranjar um lugar para sentar e descansar (acredito que o horário me ajudou). Na estação seguinte, Paraíso, já havia me recuperado da correria. Ouvi então o sinal sonoro, avisando a todos que a porta irá se fechar — o mesmo que me fez correr a fim de não ter que esperar o próximo trem — e, assim como aconteceu comigo, ela entrou no último instante.

É uma sensação estranha. Eu nunca vi aquela moça, mas senti uma conexão. Não sei se foi seu cabelo — não totalmente liso, não totalmente cacheado -, ou a maneira com que mexia em sua bolsa em busca do fone, ou o fato de cantar mentalmente, mexendo apenas seus lábios sem emitir barulho algum. Talvez fossem “seus olhos de cigana, oblíqua e dissimulada” (apesar de definitivamente não ser Dom, tampouco Casmurro). Mas só sei que aconteceu.

O tempo parou para mim, e eu só conseguia admirar aquela mulher. Não deveria ter mais de 23 anos.

De onde ela veio? Para onde ela vai? Estaria ela atrasada, que nem eu? Tem irmãos? Prefere lasanha ou x-burguer? Mora em casa ou apartamento? Está na faculdade? Será que namora? Ou já namorou? Está bem consigo mesma? Tem algum trauma de infância?

As perguntas não paravam de surgir na minha mente. Todas sem resposta. Não que todas merecessem uma resposta, mas não conseguimos controlar todos os nossos pensamentos, não é mesmo?

Demorou umas duas estações para que meus pensamentos finalmente voltassem a fazer algum sentido lógico, e para que eu percebesse que eu tinha que fazer algo para mudar essa situação. Esse claramente é o tipo de oportunidade que dificilmente acontece.

Mas o que fazer? Como fazer? Como não parecer estranho? De que maneira conversar sem ser invasivo? Devo elogiar o sorriso? Ou pedir o nome da música que ela está ouvindo?

Novas perguntas preenchiam minha mente, e eu, mais uma vez me senti paralisado. Imóvel. Sem ação. Não sabia o que fazer. Muitas possibilidades, mas nenhuma com eficácia comprovada.

Decidi: ia falar que ela tinha um sorriso bonito, que me parecia ser uma menina interessante, e entregar um papel com meu número de telefone. Eu não sou tão chato e nem tão feio, devo ter alguma chance.

Criando coragem para fazer isso, de repente ouço: “próxima estação: Trianon-MASP. Desembarque pelo lado esquerdo do trem”. E antes que eu entrasse em ação, ela saiu. E a porta fechou. E nós nos separamos. Para sempre.

Eu nem sei seu nome, mas talvez tenha perdido o grande amor da minha vida. E a culpa foi minha. Como deixei isso acontecer mais uma vez?

Vida que segue. “Próxima estação: Consolação”.

Photo porEutah Mizushima via Unsplash

Acordei pontualmente às 7h30 e comecei a realizar meu Ritual da Manhã: escovei meus dentes, 15 minutos de leitura, 10 minutos de meditação — com a utilização de respiração diafragmática e música energizante -, cerca de 30 minutos de caminhada e, na volta um banho frio para ficar preparada para mais um dia a ser vivido.

Revisei então meu Bullet Journal — você sabe, aquelas agendas super customizáveis que são capazes de organizar praticamente a sua vida inteira — e confirmei o que para mim já era óbvio: hoje, quarta-feira, tinha apresentação da Tuyo no vão do MASP. Não posso perder isso por nada!

O dia foi passando na calmaria, tudo de acordo com o planejado e, precavida e ansiosa que sou, resolvi sair de casa um pouco mais cedo do que imaginei. Cheguei a pensar em passar a chapinha no cabelo… Mas entre conseguir um lugar top no show ou ficar toda perfeitinha, se você me conhece, sabe que a primeira opção faz muito mais sentido.

É tão bom morar perto do metrô! Moro do lado da estação Paraíso, e sempre agradeço aos meus pais por essa decisão, pois além de fazer um pouco de exercício, ainda economizo em passagens ! Assim que desci as escadas, depois de ter passado a catraca, percebi que o metrô estava lá, parado. Dei uma corridinha leve (nada muito intenso pra não chamar a atenção!), e consegui entrar no momento em que as portas começaram a se fechar. Vitória!

Se consigo planejar minha rotina de uma maneira suficientemente eficaz, não posso dizer o mesmo da minha bolsa: ela sempre anda uma bagunça! Demorou bem uns cinco minutos até eu achar meu fone. Mas feito isso, fui direto para o Spotify, onde coloquei a playlist (você já deve imaginar de qual artista). É engraçado como algumas músicas tem o poder de evocar sentimentos, sensações, lembranças… E foi isso que aconteceu logo na primeira música, “Meus 15”. Quando dei por mim, já estava cantando na minha mente toda a música, de cor:

“Lá nos meus 15 eu não sabia como fazia pra paquerar. Tão afobada, desesperada, até pedia pra Deus me ajudar.

Nos meus 18, primeiro beijo, Rodoviária de Curitiba. Lugar famoso na minha história, o background dos meus amores. Eu já passei por tanta coisa, eu já pensei ir tinha achado um grande amor. Mas percebi uma grande coisa: que pânicos inúteis não precisamos alimentar. Não precisamos alimentar.

Cheguei nos 23 menos bolada… Ainda errada, mas precavida. Ainda espero um grande amor, mas considero ser um detalhe. Mais um bônus de existir: que o tempo é um mero descuido meu, um desarranjo dos dias, uma cegueira de olhar pro Sol.”

No meu caso, não era a Rodoviária de Curitiba, mas o Terminal de ônibus da Ana Rosa. Sim, por lá eu já passei por tanta coisa, e eu tenho muito orgulho da minha história. Talvez por isso, acabei sorrindo meio que involuntariamente.

E foi aí que percebi que ele me observava. Sentado em um dos bancos vazios do metrô, percebi que me lançava olhares, mas logo depois desviava o rosto. Achei esse gesto engraçadinho, principalmente por que ele definitivamente não era uma pessoa de se jogar fora.

Talvez em outro momento da vida, quando eu era mais nova, eu até iria encanar, ficar fazendo algum charminho… Ainda espero um grande amor, mas considero ser um detalhe. Ter alguém pra chamar e me chamar de mozão não é o meu foco, e estou muito feliz com o jeito que as coisas estão caminhando. Pode até ser esse menino seja um grande amor, mas se for pra acontecer, vai acontecer. Ou agora, ou em outro momento da vida. Mas vai acontecer… Pânicos inúteis não devemos alimentar.

Não mais do que de repente, escuto: “Próxima estação: Trianon-Masp. Desembarque pelo lado direito do trem”. Arrumo minhas coisas, espero a porta abrir, e saio. Sem antes perceber que aquele menino ainda me fitava.

Mal acreditei que finalmente o show finalmente estava chegando. Que belo dia para ser vivido!

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Diogo Tomaszewski

Bridging the gap between consumer and brands designing strong communities for the New Economy.